1.3. SELECTED WORKS EXPLAINED



AMPLIFIED L-BEAMS (SUSPENDED MODEL)

2013
MDF pintado de preto, 3 woofers, ferragens, cabos de aço, 3 canais de som amplificado, 3 gravações áudio 16 bit 44HZ


Amplified L Beams (Suspended Model) é uma escultura sonora constituída por três elementos em forma de L construídos em madeira pintada de preto, nos quais foram instalados colunas altifalantes. Trata-se de uma cópia alterada em escala de maquete reduzida da série de peças de Robert Morris, Untitled (L- Beams) de 1965-1967. As operações de transformação a que a peça original é submetida operam em dois sentidos: por um lado existe uma adaptação ao espaço expositivo que esbate a fronteira entre escultura e instalação e, por outro, o enunciado de Morris é subvertido em vários princípios fundamentais que novamente relativizam a sua condição escultórica e a aproximam, desta vez, de uma condição de objecto funcional.
A palavra Amplified, no título, manifesta simbolicamente a operação de transformação dos elementos escultóricos em colunas de som. 
Através da transformação dos elementos escultóricos em objectos funcionais - coluna de som de alta fidelidade - não só possibilito a reprodução do som em condições de reverberação improváveis (a forma de L da caixa ressonante), como ainda explicito o uso de outro significado linguístico da palavra “Beam” - que é altifalante.
A forma como as frequências graves se propagam e ocupam todo o espaço arquitetónico, expande a experiência perceptiva do objecto (torna-se audível), impondo a escultura para além do seu próprio corpo físico.
A dimensão real de cada um dos blocos é equivalente escala humana, mas quando estes são elevados, suspensos por cabos, a relação com a escala monumental das peças de Morris é recuperada e os blocos em forma de L não só são, de novo, colocados acima do nosso olhar, como o facto de serem suficientemente grandes e estarem suspensos, os torna ameaçadores.
O que potencia a relação de perigo para além do facto dos blocos estarem suspensos é o som. As frequências sonoras de baixa amplitude sentem-se mais do que se ouvem, ganhando uma presença física que, também esta, é ameaçadora.





Na minha peça a colocação dos L, em relação posição original, é relativamente respeitada, existindo no entanto um ligeiro desequilíbrio que acentua a ideia de movimento e destabiliza a ortogonalidade rigorosa dos elementos escultóricos.
Nesse aspecto posso afirmar que existem elementos que transcendem a ideia de encenação e posso talvez afirmar ainda que Amplified L-Beams (Suspended Model) coreografa a peça escultórica de Morris. O movimento dessa coreografia é apenas ilusório, mas as ondas sonoras que se propagam pelo espaço da galeria representam um movimento bem real e físico, apesar de invisível.
Não nos podemos esquecer que o som é movimento que se propaga pelo ar em forma de ondas e a audição é a percepção dessas ondas.







SOUND ON PAPER (AFTER ALVIN LUCIER)
2011
8 papeis emoldurados de diferentes gramagens e características, 8 woofers montados de forma ocultada atrás dos papeis, som de 16hz estéreo amplificado.
Dimensões: 79 x 326 cm.


Esta peça é uma interpretação livre das instruções da peça sonora Sound On Paper da autoria de Alvin Lucier. A composição original é de 1985 assim como a sua primeira versão em formato de instalação. No ano seguinte foi apresentada pela primeira vez uma versão performativa. Foi também editada uma versão áudio em suporte de disco sonoro na editora Lovely Music, em 1988 com o título Sferics.
O título da peça pretende tornar inequÍvoco as suas intenções; estou a lidar apenas com as instruções da peça da autoria de Lucier, desenvolvendo uma proposta concreta de produção técnica e formal cuja motivações são:
1. tornar mais explícita a relação entre os materiais essenciais para a concretização da peça e os dispositivos de apresentação convencionais do desenho no espaço expositivo / museológico – desta forma a relação proposta por Lucier que se concentra no uso de materiais e processos técnicos espec ficos é transposta para uma relação mais espec fica com a identificação do papel com a prática artística do desenho. Não só o uso da moldura reforça esta ideia como o cuidado formal implícito na solução de montagem pré-definida contribui para esta mesma intenção;
2. ocultar a presença das colunas áudio / subwoofers por trás dos ‘desenhos emoldurados’, facto que implica embutir na parede a volumetria da coluna de som, contribuindo para dois aspectos de diferenciação em relação peça de Lucier: criar uma espécie de mistério ou perplexidade na fruição da peça, no momento em que se observa uma n tida vibração / movimento nas folhas, diminuindo a possibilidade da apreciação da peça se dirigir para mecanismos técnico que a fazem funcionar e permitir uma especulação ou curiosidade sobre o motivo desta vibração. Incrementar o potencial de amplificação acústica do som, proporcionado pela própria parede falsa onde é a coluna é embutida tornando-se a pr pria parede um mecanismo reverberação acústica e também ela sofrendo um efeito menos evidente, mas existente de vibração.




Mais uma vez, estando oculto o aparato técnico do som, a atenção do espectador é totalmente desviada para o pr prio papel vazio de informação visual / mas pleno de informação sonora, traduzido no aspecto cinético do seu movimento induzido pelas frequências extremamente graves do som reproduzido que incrementa o impacto e potencial perceptivo da peça. Para realizar a minha versão baseei-me na versão áudio, editada em disco e na pauta narrativa ou mem ria descritiva dos vários formatos em que foi apresentada a peça de Lucier. Não consegui encontrar qualquer registo fidedigno da performance, no entanto percebi e foi revelador de processos técnicos utilizados a análise de imagens, da sua versão em formato de instalação. Na sua versão performativa, seis folhas de papel brancas, de consistências diferentes, instaladas em cavaletes, vibram por simpatia com o som debitado por colunas / altifalantes que reproduzem o som produzido por um oscilador de ondas sonoras afinado a trinta e dois hertz. Variações nos parâmetros de timbre e volume permitem criar diferentes combinações e reacções de vibração nas folhas de papel em combinação com o som electr nico do oscilador. Na instalação o uso de cavaletes para sustentar os papeis e a expl cita presença das colunas do som, fazem com que a peça se concentre na pr pria revelação do processo em si e não de aspectos que subentendam a intenção de estabelecer uma relação com desenho e com formatos de apresentação pensados para os espaços expositivos convencionais da arte contemporânea.








90 MIN.


120 MIN. e 90 MIN.
2009 / 2010
Cassete áudio de 120 minutos, pregos, instruções de montagem / Cassete áudio de 90 minutos, pregos, instruçoes de montagem
204 x 306 cm / 192 x 164 cm



As peças 120 min. e 90 min. partem de um mesmo princ pio conceptual e de uma mesma metodologia processual.
São peças de parede constru das apenas a partir de cassetes, com a duração indicada pelo t tulos e pregos estrategicamente colocados para garantir a sustentabilidade da fita quando esta é esticada. A fita magnética é desenrolada e forma um desenho geométrico que deriva das suas instruções de montagem. Do interior da cassete, onde a fita estaria enrolada na bobina, a fita é desenrolada e exposta no espaço exterior, de uma forma que permite o entendimento da relação da extensão métrica do seu comprimento, com a sua duração temporal. evidente que a duração temporal da cassete existe quando esta é usada convencionalmente para gravação de som.
Por cálculos espec ficos, a extensão linear destes desenhos tem a medida exacta da quantidade de fita contida numa cassete com capacidade de gravação de 120 minutos ou 90 minutos de som.




120 MIN.


Desta forma é como se se estabelecesse uma relação directa entre o tempo da cassete e o espaço que esta percorre e ocupa. Ou seja o tempo / duração torna-se vis vel no espaço que o desenho descreve.
Por outro lado estabelece-se uma relação directa entre o som, impl cito na função original do objecto e o desenho geométrico abstracto e minimalista e entre audibilidade e visibilidade.
Miguel Matos descreve a peça 120 Min. da seguinte forma: “Rui Valério faz-nos ver o tempo. Mais concretamente faz-nos ver cento e vinte minutos passarem nossa frente. Faz-nos ter consciência da presença f sica do tempo numa parede e de como ele parece infinito. Tudo isto vindo de dentro de uma cassete de áudio cuja fita magnética cria um desenho labir ntico na parede.”.







POST PRODUCTION
2017
Vídeo HD720p, cor, sem som
Televisão LCD presa na parede de acordo com instruções de montagem Dimensões variáveis



Post-Production é uma peça constru da a partir de dois elementos de particular simplicidade. Um écran de televisão, objecto da maior profusão e representação da era e império dos m dia e um copo de água, s mbolo de clareza, transparência, verdade.
A surpresa da peça, opondo-se básica lei da gravidade, resulta da inclinação acentuada com que o écran se apresenta, contradizendo a horizontalidade – esperada - do objecto filmado, o copo de água. Post-Production enviesa o écran para manter o conteúdo legitimamente nivelado. A contradição entre os planos envolve e é indossolúvel da contradição dos sentidos numa alusão impl cita ao processo de p s- produção que sofrem os conteúdos habitualmente apresentados nos écrans dos nossos quotidianos. E a peça é muito clara: a transparência da informação e dos média é clara, clara como este écran!







Historia De La Musica Rock
2001. Video Projection. DVPal, color, sound, 58''


Neste vídeo parti dum processo semelhante àquele que mais caracterizou a obra dos artistas que ficaram conhecidos como apropriacionistas nos anos 80 - a refotografia. As fotografias são de outras fotografias e trabalhos gráficos impressos nas capas dos discos. Também o som é constituído por micro- samples de cada um dos discos.
Neste caso fotografei capas de discos de vinil da forma mais fiel e documental possível. Não os submeti a operações de reenquadramento, transformação ou edição de qualquer género. Metodicamente reuni fotografias de 401 discos seleccionados, representativos da história da música rock desde o final dos anos 50 até à data da conclusão da peça.
A designação música rock surge num sentido lato dado que a selecção inclui discos de jazz, música experimental e todos os géneros que me interessavam. Nesse sentido a escolha dos objectos que fotografei era determinada por afinidades pessoais, acessibilidade aos objectos sendo baseadas na relevância musical das obras e no interesse formal das respectivas capas. Era importante que muitos dos discos tivessem um estatuto de reconhecimento bastante abrangente, na medida em que a possibilidade de reconhecimento do objecto era um aspecto importante na peça.
Os discos foram fotografados por ordem cronológica, dispostos uns a seguir aos outros, formando uma pilha que progressivamente se aproximava da lente da câmara, aumentando muito ligeiramente a escala do disco no enquadramento da fotografia. Após este metódico processo, sequenciei as fotografias em vídeo concedendo apenas três frames em cada 25 de visualização de cada disco (cerca de um oitavo de segundo). Este facto causava um efeito de amálgama e a visão de cada capa, quase subliminar, advinha do efeito de justaposição causado pela relação de rapidez com que as imagens passavam e o efeito de ‘persistência retiniana’ que caracteriza a nossa visão.
Simultaneamente, e de forma igualmente metódica, gravei samples de som de cada um dos discos, adicionando sincronicamente, os fragmentos de som as respectivas imagens das capas. O efeito de amálgama resultante era ainda maior, verificando-se que, ao contrário das imagens que eram possíveis de fixar e reconhecer de quando em quando, no som não havia qualquer tipo de possibilidade de reconhecimento parcelar.
O vídeo que se propunha como dispositivo documental ordenado cronologicamente, resultou numa avalanche vertiginosa de imagem e ruído que apenas nos permitia vislumbrar uma viagem vertiginosa através da história da música rock.
O facto de os discos serem de vinil reforçava a relação com os domínios da afectividade e afecção, e da audiofilia, melomania e coleccionismo e enfatizava a sua condição de objectos que simbolizavam e se relacionavam com um contexto cultural de música popular.






White Noise
2009. Video Projection. DV Pal, color, sound, 53sec loop


Esta peça resulta da apropriação através da imagem fotográfica de uma série de objectos combinada com a citação de diversas obras: White Noise, instalação hom nima de Christian Marclay; a instalação de filme projectado, Zen for Film de Nam June Paik, de 1964 e a capa do disco dos The Beatles assinada por Richard Hamilton. A peça evoca ainda o conceito de reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin. Assim sendo, a resolução formal resulta da apropriação mas os aspectos conceptuais derivam de operações de citação.
Processualmente este v deo é bastante semelhante a Historia de la Musica Rock de 2001 e a fotografia de capas de discos é novamente usada mas com intenções diferentes da peça referida.
Metodicamente fotografei dezenas de exemplares de capas de um mesmo disco, mas desta vez, um de cada vez, sempre com o mesmo enquadramento e iluminação - fotografei inúmeros exemplares do disco White Album, dos The Beatles.
O processo foi repetido com o som, gravando o som das zonas de silêncio entre as músicas, interessado em captar os ru dos que os riscos e o envelhecimento da superf cie provocam no vinil (ru do de superf cie).
Trata-se novamente de um exerc cio de apropriação de uma imagem pela fotografia mas, mais do que isso, trata-se de um exerc cio de documentação de subtis diferenças de uma mesma imagem, produzida em série, que se desmultiplicou em objectos singulares.
Escolhi o White Album dos Beatles precisamente por ser todo branco apenas com a palavra “The Beatles” em alto relevo e, portanto, ser mais facilmente detectável qualquer tipo de sinal de uso ou envelhecimento, que cada exemplar pudesse ter que o distinguisse de outro originalmente igual.
Interessava-me registar as diferenças que um mesmo objecto produzido em série adquire. O facto do disco ser sempre o mesmo, acrescido do facto de ser todo branco, sublinhava as particularidades do objecto, em vez de reproduzir a imagem original da capa do disco.
Thomas Y. Levin recupera as questões levantadas por Benjamin nos anos 30, nomeadamente a ideia de perda de aura no objecto reprodut vel mecanicamente e confronta-a com a ideia das diferenças produzidas pelo uso do objecto produzido em série. Este racioc nio corresponde a uma das intenções da minha peça.
Levin alega que através de uma determinada operação que lhe confere singularidade, o objecto inicialmente incaracter stico, produzido em massa, recupera a autenticidade e o carácter único que tradicionalmente se atribui obra de arte e a que Benjamin se referia com a ideia de aura.
Também na minha peça, White Noise, o objecto, originalmente produzido em série, é usado naquilo que tem de peculiar. As marcas que o tempo e o uso nele inscreveram, a questão central do v deo, salientando o que há de único e irreprodut vel num objecto reproduzido. As subtis diferenças entre os vários exemplares, os riscos e marcas de sujidade, o amarelecimento causado pelo envelhecimento do suporte, as inscrições pessoais deixadas, no fundo, tudo o que, com o tempo, tornou um objecto originalmente produzido em massa num objecto único.
A edição original do disco foi de cinco milhões de exemplares e foi numerada. imposs vel determinar o número de edições posteriores, edições locais, edições autorizadas ou ilegais que foram feitas até hoje, mas é considerado um dos discos mais populares, reconhecidos e vendidos de todos os tempos.
Para o meu v deo considerei a utilização de qualquer edição, desde que respeitasse o formato e o desenho original da capa. Os discos e capas foram escolhidos em diferentes estados de degradação (desde que não lhe faltasse parte da capa). As fotografias e os sons foram sequenciadas sincronizadamente a uma velocidade de doze imagens por segundo.
O resultado não foi muito diferente do efeito de pel cula envelhecida, notando-se apenas a palpitção de riscos, manchas e vários tons de branco amarelecido com a inscrição em baixo relevo da palavra ‘The Beatles’ a sofrer ligeiros desvios.
O som dos riscos do vinil reforçavam a ideia de pel cula degradada e apesar do v deo ser de natureza digital a comparação com a pel cula era inevitável.
Por esta via, o v deo suscita a comparação com Zen for Film, de Nam June Paik. Em Zen for Film, Paik projecta pel cula virgem para que a imagem incorpore todas as poeiras e sujidades que se foram depositando no suporte f sico ao longo do tempo de exibição.
Os vinte minutos de bobina de pel cula virgem de Paik, colocada em loop, ficam sujeitos acumulação de todos os res duos, poeiras e riscos inerentes ao pr prio processo de envelhecimento que caracterizam a condição material dos suportes anal gicos. Sendo virgem, não havendo qualquer vest gio de imagem, a visibilidade de qualquer poeira torna-se um foco de atenção redobrada.
A poss vel relação, que possamos estabelecer entre a peça de Paik e as pinturas brancas de Rauschenberg ou com o silêncio de Cage, também não é despropositado e também essa relação acaba por ser projectada na minha peça.
Se pensarmos que um dos elementos vis veis no meu video são as palavras ‘The Beatles’, apesar da sua subtileza ser maior que os pr prios vest gios do envelhecimento, não deixa de ser um c digo facilmente associável ideia de música. Nessa perspectiva a expectativa de som, dada pelo conhecimento universal das suas músicas, é frustada pelo facto do único som aud vel ser o ru do de superf cie presente nos discos. Assim sendo a perspectiva de silenciamento da música de Cage, é igualmente aplicável em White Noise, precisamente pelo facto da peça ter som e, esse som, não corresponder a qualquer música da banda britânica.
Ainda sob essa perspectiva, neste caso, o objecto é usado de uma forma oposta quela que antes observámos na obra de Marclay. Na sua obra, o valor cultural do objecto era um factor de activação das mem rias sonoras gravadas no nosso cérebro. Na minha peça, o valor cultural do objecto é subvertido e o conteúdo sonoro que nos é devolvido contraria a activação de mem rias de músicas, substitu das pelo ru do do suporte fonográfico.
A relação com Marclay não ocorre pelo facto de usar uma imagem de um disco, como tantas vezes ele o fazia, mas antes com outra peça igualmente intitulada White Noise que nada tem a ver com música, nem com som (excepto no t tulo). Em White Noise, uma imensa quantidade de postais comprados em mercados de segunda mão foram instalados de forma a quase preencherem a totalidade da parede do espaço expositivo. Estes postais foram colocados com a imagem contra a parede, revelando apenas o seu verso, em tempos, branco. O factor do uso do objecto e do envelhecimento do suporte tornam-se o assunto principal da peça.
O verso dos postais mostram-nos diferentes tonalidades de branco, transformado em amarelos e cinzentos, pelo envelhecimento do papel cartonado. Por vezes também são vis veis inscrições pessoais, escritas no verso dos postais, mas nesta escala tornam-se apenas riscos e ru dos que se confundem com o aspecto gasto do papel. “Ruído branco” como nos discos dos Beatles originalmente de cor branca imaculada.





Imaginary Landscape #5
2007.
Video Projection. DV Pal. Color, sound. Demonstration version.


Esta peça é uma interpretação livre da pauta da composição Imaginary Landscape#5 de John Cage. A interpretação que faço da pauta de Cage, estabelece uma relação com um excerto do livro Dan Yack de Blaise Cendrars.
O enunciado geral de #5 refere a possibilidade de criar uma composição através de corte, colagem e justaposição de quarenta e dois discos de vinil. Na gravação que efectuou desta peça, Cage apenas utilizou discos de jazz mas deixou expl cito, na pauta, que a peça poderia funcionar com quaisquer tipos de discos, desde que fossem quarenta e dois. Da peça ainda existe uma pauta com indicações espec ficas relativamente s operações de montagem e justaposição, derivadas dos métodos de indeterminação e acaso que Cage utilizava.
Partindo da ideia geral de Imaginary Landscape #5 e na sequência de algumas experiências que fiz por esta altura, com sobreposição de grandes quantidades de registos fonográficos, inspirado pelo epis dio narrado por Cendrars decidi fazer uma
interpretação livre da pauta de Cage. Escolhi o v deo como medium de realização da peça, facto que me acrescentaria uma dimensão visual composição. Neste aspecto o suporte de fita magnética a que Cage se referia como medium de realização da obra não foi adulterado, na medida em que o MiniDV é um suporte baseado em fita magnética. Respeitando as indicações de Cage escolhi quarenta e dois discos de vinil e gravei a totalidade do seu conteúdo sonoro recorrendo essencialmente a discos que tivessem uma sonoridade subtil ou ‘pouco som’.
Desrespeitando as indicações de Cage limitei-me a sobrepôr o som da totalidade dos quarenta e dois discos, rejeitando operações de corte ou montagem. Neste sentido foi uma simples operação de ‘mistura passiva.’.
Simultaneamente fotografei as capas de todos os discos e por operações de programação liguei tecnicamente o factor de visibilidade (opacidade) da imagem da capa do disco ao de audibilidade do conteúdo sonoro respectivo.
Decidi que a peça iniciar-se-ia com os quarenta e dois discos a começarem a tocar em simultâneo e, na medida em que todos os discos teriam durações diferentes, simplesmente desapareciam da composição medida que terminava a sua duração.
Por sua vez o v deo começaria com uma imagem bastante abstracta, resultante da sobreposição visual em transparência das quarenta e duas capas dos discos e progrediria para uma imagem mais reconhec vel, onde se começava a perceber que era resultante da mistura da imagem de capas de discos. Todo este processo de mistura das imagens tinha uma ‘palpitação’ pr pria dado estar sujeito s dinâmicas sonoras do disco correspondente.
No final sobraria a imagem da capa de um único disco, o de maior duração com o som respectivo.
Esse disco que permanecia até ao fim da composição era de Phil Niblock e ostentava numa capa branca a frase “Nada para olhar apenas um disco”. Este final foi propositado, e foi poss vel porque reduzi substancialmente o pitch do disco. A alteração de velocidade em mais alguns discos foi a única operações de edição a que submeti os discos por uma questão de equil brio de duração relativa entre os discos e de harmonia de tonalidade entre eles.
A imagem abstracta que dominava a maior parte da duração do v deo ganhava uma relação metaf rica com o t tulo da peça. Mas esta abstracção culminava numa figuração – a visibilidade cristalina, da imagem da capa do último disco.
A dimensão sonora de ru do extremo quase ensurdecedor do volume alto a que se ouvem tocar quarenta e dois discos em simultâneo não deixa de ser, por contradição, um processo de silenciamento da música contida em cada um deles, dado que a amálgama sonora é totamente destruidora do sentido musical de cada um dos discos.
Na maior parte da sua duração o som é bastante alto e ruidoso, no entanto termina num volume de som consideravelmente mais baixo. O ru do é decrescente, o seu auge é o in cio com o som do in cio simultâneo de todos os discos, diminuindo da para a frente, a partir da segunda metade da duração da peça, quando começam a deixar de se ouvir os discos de menor duração. Desta forma, progressivamente, o ru do desvanece-se e, no fim, reduz-se ao som de uma nota cont nua – a nota cont nua que o disco de Niblock nos dá a ouvir.





A WALL OF LIGHT TO SOUND
2001
100 lâmpadas fluorescentes, 10 cabos jack, amplificação de som, nord micro modular. 250x350 cm.


Uma parede com um dos lados (o lado oposto entrada do espaço de exposição) é coberta com 100 lâmpadas florescentes munidas de arrancadores desadequados. As lâmpadas, por efeito dos arrancadores, não estabilizam a luz, acendendo e apagando sucessivamente num ritmo rápido, aleatório e inconstante.


A luz intermitente das 100 lâmpadas produzem um ru do característico do funcionamento do arrancador, que é captado pelos cabos jack colocados estrategicamente e é enviado para uma mesa de mistura onde é posteriormente amplificado e processado, resultando numa orquestra de ruídos de electricidade.
A peça resulta numa experiência intensa de flashes de luz forte e rápida que vai sendo emitida por cada uma das 100 lâmpadas distribuídas pela superfície da parede, em sincronia com o ruído intenso criado pela acumulação dos vários arrancadores a funcionarem em simultâneo à medida que vão estimulando a emissão da luz a cada momento.
O funcionamento deste circuito prolonga-se infinitamente durante a exibição mas também se vai atenuando ao fim dum longo período de exposição pela lenta avaria das lâmpadas submetidas a este processo. Passado mais de um mês as lâmpadas ‘cansadas’ vão emitindo cada vez menos luz e a estimulação dos arrancadores vai sendo cada vez mais esporádica.









SAWWAVE
2006
Lâmpadas fluorescentes, instruções de montagem 95 x 630 cm



Saw Wave é uma peça com instruções de montagem de lâmpadas fluorescentes. Quando se faz uma peça unicamente com lâmpadas fluoresecentes e a este facto acresce o uso duma solução formal minimalista, a associação, mesmo que seja remota, com a obra de Dan Flavin torna-se inevitável. Por outro lado existe a utilização de uma convenção gráfica de ordem técnica do dom nio do som, conforme veremos. Neste sentido é uma peça que se situa entre a evocação e a representação. Ao contrário de peças anteriores que fiz com lâmpadas fluorescentes, como por exemplo A Wall of Light To Sound260, de 2002, nesta, as lâmpadas emitem uma luz estabilizada e não causam um ru do inerente s lâmpadas em estado de avaria. As lâmpadas são montadas de forma a criarem uma representação de um s mbolo gráfico que se denomina habitualmente por sawtooth wave, mas na sua forma simplificada é simplesmente saw wave. Uma sawtooth wave ou saw wave é uma das possibilidades, em ambiente de criação de som de s ntese, ou seja som produzido de forma electr nica, de gerar uma frequência sonora pura, produzida por um oscilador de frequências. Os osciladores de frequências, ao contrário dos instrumentos, permitem criar um som com uma amplitude de frequência pura. As notas musicais têm uma dominante de determinada frequência, definida por intervalos pré-definidos. Apesar de um oscilador de frequências permitir uma maior precisão na emissão de uma nota, esta não soará tão bem como se for emitida por um instrumento convencional. A razão de ser deste acontecimento é explicada pelo facto de, ao usarmos um instrumento musical, quando tocamos uma nota, uma quantidade de frequências harm nicas e propriedades t mbricas enriquecerem a experiência auditiva, tornando-a mais agradável. O som de s ntese, na sua precisão cient fica, soa de uma forma artificial e maqu nica. A peça não contém som, apenas alude representação gráfica da dimensão temporal da referida base de som de s ntese sendo apenas identificável por alguém que tenha conhecimentos na área da música electr nica. Nesse sentido e para esses espectadores, a peça é uma representação luminosa de um c digo técnico de som.
Uma sawtooth wave, limitada na banda de frequência, representada na dimensão temporal na primeira imagem e na dimensão de frequência na imagem em baixo, 220 Hz
Posso ainda afirmar que para um leigo, existe uma certa dimensão de sinestesia, devido dinâmica da forma e sua semelhança formal com outro tipo de representação técnica que começa a ser familiar – uma onda sonora – a visibilidade que a edição digital de som nos permite visualizar. Também a dimensão temporal pode ser intu da a partir desta representação. Sob outro ponto de vista, desconhecendo a representação técnica em questão, é apenas uma peça que retoma e dá continuidade a uma estética minimalista, identificável na obra do pr prio Flavin. A alegada dimensão aleg rica, detectada em cap tulos anteriores, presente na obra de Flavin, patente nos t tulos da peças que evocam autores, obras e pessoas, apesar da sua aparência formal totalmente abstracta (patente também no t tulo da peça na fotografia em baixo), é substitu da por uma terminologia que designa a representação de um evento sonoro, ou melhor, de um s mbolo técnico de uma base de som electr nico. A peça enquadra-se no dom nio das operações de representação e eventualmente, em termos formais, a evocação da obra de Flavin talvez seja uma inevitabilidade.




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